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Tuesday, February 03, 2009

O Anjo


Levantei olhar. Quanta decadência. Parado diante de um túmulo, não tinha forças para novamente caminhar. O abandono do lugar parecia tomar conta de mim. Eu fazia parte de tudo aquilo, no meu pacto silencioso de acomodação. Parado, esperava minha própria extinção.

Percebo, então, que alguém se aproxima. Vem decidida em minha direção. Observo, curioso, aquela menina. Seria a ceifeira, epílogo de minha quietude, que finalmente acabaria minha agonia?

Chegou bem perto de mim. Os olhos muito abertos. Eu não saberia se era um olhar de dúvida ou receio. Um rosto lindo, mas que me parecia assustado. Segurou minha mão, fez com que eu voltasse a caminhar, de mãos dadas.

Mas à medida que a acompanhava, sentia que ela não me levava para as trevas. Estava, na verdade, me tirando da escuridão. Era, percebi então, um anjo que me fazia enxergar a luz. Meus pensamentos no tempo perdido que fiquei ali de pé. A sensação de ter passado a vida inteira esperando por um fim que não chegava. Mas eis que o que chegou foi um novo começo.
Recomeçar, porém, não é fácil. É como nascer de novo, com dor e choro, sem saber como sobreviver em um novo mundo estranho, sentindo-se desprotegido e dependente.

Deveria viver? Precisava de forças para tal. Precisava mesmo da primeira inspiração. A que iria me manter vivo, como novamente ter ar nos pulmões após um mergulho demorado. Respirei. Estou vivo.

Saímos do cemitério, deixando apenas uma imagem que desvanecia no pensamento. Um anjo agora segura minha mão. Não precisaria mais, portanto, vaguear em cemitérios.


Sérgio Andrade.
(Adaptação de um conto que escrevi out/2000.)

2 comments:

Raíssa N. said...

oh my...que sensação é essa? Não deu pra segurar as lágrimas.

O conto é lindo. Muito obrigada por ter me dado a honra de tê-lo postado em meu blog. Você só esqueceu de citar que a foto também é sua.

Bom... Eu bem entendo toda a coisa metafórica do texto. Por isso devo dizer que não posso crer que este anjo tenha conseguido nada sozinho. Àquele anjo faltava tudo. E naquele prostrado diante de túmulos num cemitério, o anjo encontrou tudo que precisava.

Eu preciso de você. Eu amo você.

Lay said...

Belo texto. Realmente, apenas um anjo para desofuscar a imensidão da solidão.
Um belo texto mesmo. Muito me agradou.
Fique bem o/