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Tuesday, August 18, 2009

Prague, Czech Republic. Winter.

Ei-lo. Sentado à mesa de um prostíbulo à francesa, na sua "Paris Medieval" de nome Praga. Eis que era como a chamava em tempos modernos. E o fazia com tal segurança que dava a crer que tivera mesmo visto a Paris de um século XVI; antes de tudo, com os próprios olhos.

Não era mais do que 7h de uma manhã de inverno, e o sol ainda se espreguiçava, erguendo-se tímido e iluminando o fino tapete de neve que cobria as ruas. Mas lá estava ele, Jack Nightingale, à espera de sua primeira dose de Absinto como desjejum. Pois alguns tomam chá ou café, comem ovos com torrada. Mas aquele homem... Aquele homem tomava absinto, pensou Cindy, sentada atrás do balcão, a observá-lo curiosa e discretamente. E Jack Nightingale fechava os olhos agora, mergulhando em uma intensa melodia que ecoava por todo o ambiente, mas dançava apenas em seus ouvidos, em sua mente. E sua mão começava a mover-se frenética, regendo a orquestra, pairando sobre uma folha de papel amarrotada. Até que finalmente pousa a caneta tinteiro sobre o papel, apoiando-a entre os dedos finos e longos, fazendo-a deslizar tão depressa que, se Cindy quisesse acreditar, poderia ver faíscas saltarem e as notas projetarem-se para fora do papel como se tivessem vida própria e desejassem se libertar para que o mundo as ouvissem. E no entanto, aquele homem não o permitiria.

Cindy trabalhava alí... há quantos anos agora? Três? O quê a situava no tempo e marcava seus mais memoráveis dias era a presença daquele homem, alí, sentado à mesa, tomando o mesmo drink (que já não se fazia necessário ordenar), com quem nunca trocara mais do que uma ou duas palavras de mera cordialidade. Em fato, ele nunca respondera a um "bom dia" seu - nunca em palavras. No entanto, fazia sempre uma discreta e solene reverência em resposta.

Ele fazia-a lembrar-se daqueles lords e gentlemen ingleses, sobre os quais lia quando criança. E sonhava, ainda, com tais lords e gentlemen ingleses. Alguém que pudesse tirá-la das ruas gélidas de Praga e levá-la para um casarão no interior da Inglaterra - Manchester, talvez - ou para uma casa aconchegante nas proximidades do Parlamento, em Wesminster. Sim, Westminster, pois, se pudesse desposar um gentleman da câmara dos comuns - ou dos lords, talvez - e trabalhar em casa, entre panos, flores e filhos, certamente - e agora dirigia-se à mesa do homem para servir-lhe a segunda dose, que ele agradeceria, condescendente, com um leve inclinar de cabeça - viveria em Londres.

Voltou-se novamente para o rapaz, tentando afastar-se de seus devaneios e sonhos já desbotados. Afinal, era apenas Cindy, trabalhando em um prostíbulo escuro, frio e úmido, não importando a posição do sol ou a época do ano, com um nome falso e umas roupas justas. E jamais um gentleman ou um moribundo inglês a levaria dalí com boas ou más intenções.

Jack Nightingale virou sua última dose, sentiu a Fada Verde cortar-lhe a garganta por um breve instante. Recolheu papeis e caneta, e o inesperado aconteceu - levantou-se e saiu. Levantou-se, pensou Cindy, atônita. Levantou-se e saiu, murmurou ela, apoiando de volta no balcão a terceira dose, que tradcionalmente, preparava-se para servir.

Durante três anos, aquele homem vinha alí todas as manhãs de uma, supostamente, determinada semana, desaparecia durante, contraditoriamente, indeterminados dias e reaparecia - sempre aparecia - um certo dia, para sentar à mesma mesa, tomar as mesmas três doses do mesmo drinque. E agora levantara-se e saíra. E durante esses três anos, Cindy procurara uma desculpa ou brecha, uma mera falha, sequer, para seguí-lo; para falar com ele e pedir-lhe que esperasse. Nuna pudera fazer nada pra impedí-lo de ir-se após a terceira dose. Mas agora sentia um inmensurável horror tomando conta de sí. Partira antes da terceira dose. Nunca mais voltaria, pensou. Aquilo que a fazia perceber que havia vida do lado de fora daquele prostíbulo, esvaía-se - para sempre.

Ela foi até a mesa para recolher o dinheiro que ele havia deixado como sempre o fazia. Os olhos encheram-se de água, prestes a estravazar, enquanto contava a quantia equivalente a duas doses, exatas. Ninguém se enganara. Ele partira.



to be continued...

By Raíssa N. - copyrighted!

2 comments:

Sérgio said...

Ambientação muito interessante. A curiosidade, o sonho, a surpresa, tudo bastante humano...

=*

Lay said...

Puxa! Adoro esses lugares que tu descreves nas estorias. É sempre algo interessante ~~.
Ela é inteligente! ´Percebe logo as coisas! Anseio pelo proximo texto. Até mais o/
Te ãbo!